A procura por
novas fontes de energia elétrica vem da necessidade de suprir a demanda que com
o passar dos anos se torna cada vez maior na sociedade moderna. A energia
produzida a partir de combustíveis fósseis, como o petróleo e gases naturais, não
são renováveis. No entanto, elas são as mais comuns e são consideradas a chave
para o progresso contínuo da população. Com o aumento crescente da demanda
energética, torna-se grande a preocupação da humanidade na busca por fontes
renováveis e que, ao mesmo tempo, não prejudiquem o meio ambiente. Nos últimos
quarenta anos, as células a combustíveis foram consideradas uma tecnologia
alternativa na produção de energia limpa. Esses dispositivos eletroquímicos são
utilizados para a produção de energia elétrica a partir de reações químicas que
ocorrem em um compartimento denominado de cela ou célula eletroquímica. No
entanto, recentes estudos têm demonstrado a utilização de compostos biológicos
em células a combustível, gerando uma nova classe de dispositivo denominada biocélulas
a combustível.
O estudo de
reações que ocorrem em sistemas biológicos ganharam atenção especial por volta
do ano de 1780 quando o cientista Luigi Galvani demonstrou que as pernas de uma
rã contraiam com a aplicação de uma energia elétrica oriunda de um gerador de
eletricidade estática. Esse experimento pioneiro mostrava a potencialidade na integração
eletricidade - organismos biológicos. As biocélulas a combustíveis (do inglês biofuel cells) utilizam componentes de
origem biológica para a produção de energia elétrica. Assim, as biocélulas a
combustíveis são subdivididas em duas classes: as biocélulas a combustíveis
enzimáticas e as biocélulas a combustíveis microbiológicas. Como o próprio nome
sugere, as biocélulas a combustíveis enzimáticas utilizam as enzimas que são
catalisadores biológicos para a produção de energia utilizando um substrato
(combustível, por exemplo glicose) como reagente específico para tal. Por outro
lado, as biocélulas a combustíveis microbiológicas utilizam microorganismos
como leveduras, bactérias e outros microrganismos. Apesar de esses sistemas
eletroquímicos utilizarem combustíveis renováveis para a produção de energia
elétrica (como por exemplo, a molécula de glicose), a potência produzida ainda é
muito baixa comparativamente a potência gerada por células a combustíveis
convencionais, o que as torna necessário muita pesquisa nos dias de hoje para
fins práticos.
Biocélula de Glicose/Ar desenvolvida no Laboratório de Bioeletroquímica
Com a
nanociência e nanotecnologia, o maior desafio está na procura por novos
materiais aplicáveis em biocélulas a combustíveis para um maior aproveitamento
da energia produzida por esses sistemas, os quais estão sendo constantemente
estudados nos últimos anos, inclusive pelo nosso grupo de pesquisa. Isso se
deve ao fato de que a energia originada em biocélulas a combustíveis podem ser
maximizadas, aumentando assim sua capacidade em produzir maiores quantidades de
energia. Assim, o Grupo de Bioeletroquímica da USP, sob coordenação do Prof. Dr. Frank Nelson Crespilho,
tem estudado a construção de sistemas biomiméticos aplicados a reações de oxidação
e redução similares as enzimas. Enzimas artificiais são produzidas a partir de nanopartículas
híbridas (orgânicas/inorgânicas) e aplicadas em protótipos para a geração de
energia, simulando processos biológicos naturais.
Biomimética é a ciência que estuda e imita os métodos,
mecanismos e os processos que ocorrem naturalmente. No caso de sistemas
enzimáticos naturais, o desenvolvimento de (nano)estruturas biomiméticas capaz
de imitar as propriedades funcionais da biomoléculas continua a ser um desafio para os
pesquisadores. Muitos estudos envolvendo enzimas naturais reportam uma
excelente sensibilidade e alta seletividade frente a seus substratos
específicos. Porém, a estabilidade e condições do meio do qual as enzimas são
inseridas em uma biocélula a combustível são prejudicadas, inviabilizando a
exploração da perfomance catalítica dos seus cofatores redox. Em virtude desses
e de outros problemas, a produção de enzimas
sintéticas torna-se uma estratégia inerentemente atraente por apresentar
vantagens, como baixo custo de obtenção, elevada atividade redox em eletrólitos
não naturais, entre outras. Recentemente, nosso grupo publicou um artigo na
revista Electrochemistry Communication
mostrando a potencialidade de aplicação de um sistema biomimético em cátodos de
biocélulas a combustível. Nesse trabalho, mostrou-se a alta atividade
catalítica para reduzir peróxido de hidrogênio, utilizando uma enzima
artificial. Esta enzima foi sintetizada a partir de um nanocompósito
constituído por nanoestruturas de óxi-hidróxidos de ferro (III) e o polímero
polidialidimetilamônio.
Além do
desenvolvimento de sistemas biomiméticos, nosso Grupo também tem direcionado
seus trabalhos em estudos eletroquímicos de interação entre enzimas e
nanopartículas metálicas e de óxidos magnéticos, visando a criação de uma
interface eletroativa entre cofatores enzimáticos e superfícies eletródicas
aplicáveis em biocélulas combustíveis, onde processos de transporte e
transferência de carga podem ser maximizados, possibilitando uma maior obtenção
de eletricidade.
Nosso Grupo
também tem desenvolvido vários protótipos de biocélulas a combustível. Estas
possuem um formato retangular visando um maior controle do volume do
compartimento e pode funcionar como uma bio-bateria, na presença e na ausência
de uma membrana trocadora de prótons, permitindo uma análise mais detalhada dos
processos eletroquímicos envolvidos na geração de energia. Um novo protótipo de
tamanho menor e com capacidade de ser implantado para análise in vivo está fase de desenvolvimento.
Pesquisadores
envolvidos:
1) Prof. Dr. Frank Nelson Crespilho
(Coordenador).
2) Rodrigo M. Iost. Bolsista: Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de
São Paulo.
4) Roberto Aves de Sousa Luz. Bolsista:
Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo.
5) Marccus Victor Almeida Martins. . Bolsista: Conselho
Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico.
Publicação:
Martins, Marccus Victor Almeida; Bonfim, Clarissa; Silva,
Welter Cantanhêde; Crespilho, Frank Nelson. Iron (III) nanocomposites for enzyme-less biomimetic
cathode: A promising material for use in biofuel cells. Electrochemistry
Communications, v. 12, p. 1509-1512, 2010.